Testes Chi-Quadrado: Aderência e Independência

Introdução

Muitas vezes, a informação da amostra coletada tem a estrutura de dados categorizados, ou seja, cada membro da população pode assumir um entre \(k\) valores de uma ou mais características estudadas.

Dessa forma, o conjunto de dados consiste em frequências de contagens para essas categorias.

Esse tipo de dados ocorre com frequência nas áreas sociais e biomédicas.

O objetivo aqui é estudar dados agrupados em categorias múltiplas e veremos isso através de dois tipos de testes:

  • Teste de Aderência (ou Bondade de Ajuste)

  • Teste de Independência

Introdução

Teste de Aderência: considere uma população na qual cada membro assume qualquer um de \(k\) possíveis valores. Iremos verificar quão adequado uma amostra obtida dessa população se ajusta a um modelo de probabilidade proposto.

Teste de Independência: considere uma população na qual cada membro é classificado de acordo com duas características distintas. Com os dados de uma amostra dessa população, iremos verificar se essas duas características podem ser consideradas independentes.

Duas características serão independentes se a classificação de um membro da população de acordo com uma característica não interfere na probabilidade de classificação em relação à segunda característica desse mesmo membro.

Na aula de hoje iremos focar em Testes de Aderência.

Exemplo: Cores de Geladeira

Uma determinada marca de geladeira é vendida em cinco cores diferentes e uma pesquisa de mercado quer avaliar a popularidade das várias cores.

As frequências abaixo são observadas para uma amostra de 300 vendas feitas num semestre.

Suponha que seja de interesse testar a hipótese das cinco cores serem igualmente populares.

Vendas das cinco cores das geladeiras da marca W
Cor marrom creme vermelho azul branco total
Frequência 88 65 52 40 55 300

Modelo Multinomial

Distribuição Multinomial

Para acomodar dados como no Exemplo 1, precisamos estender o modelo Bernoulli de forma que os resultados possam ser classificados em mais de duas categorias. Esse modelo é chamado de distribuição multinomial.

Modelo Multinomial

  1. O resultado de cada amostra pode ser classificado em uma de \(k\) respostas denotadas por \(1, 2,\ldots, k\).

  2. A probabilidade da amostra assumir o valor \(i\) é \(p_{i}\), \(i=1, 2, \ldots,k\), com \[\sum_{i=1}^{k}p_{i}=1\]

  3. As observações são independentes.

Distribuição Multinomial

Considere uma amostra de uma população que consiste de elementos em diversas categorias, por exemplo, \(k\) valores possíveis.

Denotaremos por \(n_1, n_2, \ldots , n_k\), com \(\sum_{i=1}^{k}n_{i}=n\) as frequências e \(p_1, p_2, \ldots , p_k\) as probabilidades.

A distribuição conjunta de \(n_1, n_2, \ldots , n_k\) é chamada de distribuição multinomial e tem função de probabilidade dada por:

\[f(n_1, n_2, \ldots , n_k)=\frac{n!}{n_1! \ldots n_k!}p_1^{n_1}p_2^{n_2} \ldots p_k^{n_k}\]

em que \(\displaystyle \sum_{i=1}^{k}n_{i}=n\) e com \(\displaystyle \sum_{i=1}^{k}p_{i}=1\).

Distribuição Multinomial

Se designarmos a componente \(n_1\) como "sucesso" e juntarmos as demais numa mesma que designamos "fracasso", a variável aleatória \(n_1\) é o número de sucessos em \(n\) ensaios de Bernoulli, ou seja, \(n_1 \sim Bin(n,p_1)\).

Portanto, \(\mathbb E(n_1)=np_1\), \(Var(n_1)=np_1(1-p_1)\).

Analogamente aplicando o mesmo argumento a cada \(n_i\) temos: \[\mathbb E(n_i)=np_i \quad \mbox{e} \quad Var(n_i)=np_i(1-p_i)\]

Iremos usar o valor esperado de \(n_i\) nos testes que veremos a seguir.

Teste de Aderência

Teste de Aderência

Objetivo: Testar quão adequado é assumir um modelo probabilístico para descrever um determinado conjunto de dados.

Exemplo: Vocês já devem ter visto em alguma aula de Biologia o seguinte:

3 genótipos (categorias): AA, Aa e aa

Teste de Aderência

Em uma certa população, 100 descendentes foram estudados, fornecendo a tabela a seguir:

Genótipo AA Aa aa Total
Frequência Observada 26 45 29 100

\[ \]

Objetivo: Verificar se o modelo genético proposto (Equilíbrio de Hardy-Weinberg) é adequado para essa população.

Teste de Aderência

Se o modelo teórico for adequado, a freqüência esperada de descendentes para o genótipo AA, dentre os 100 indivíduos, pode ser calculada por: \[100 \times P(AA) = 100 \times \frac{1}{4} = 25\]

Da mesma forma para o genótipo Aa: \[100 \times P(Aa) = 100 \times \frac{1}{2} = 50\]

E para o genótipo aa: \[100 \times P(aa) = 100 \times \frac{1}{4} = 25\]

Teste de Aderência

Podemos expandir a tabela de frequências dada anteriormente com as frequências esperadas sob o modelo teórico:

Genótipo AA Aa aa Total
Frequência Observada 26 45 29 100
Frequência Esperada 25 50 25 100

Pergunta: Podemos afirmar que os valores observados estão suficientemente próximos dos valores esperados, de tal forma que o modelo genético teórico é adequado a esta população?

O procedimento que responde esse tipo de pergunta é chamado de teste de bondade de ajuste ou teste de aderência.

Teste de Aderência - Procedimento

Considere uma tabela de freqüências, com \(k \geq 2\) categorias de resultados:

Categorias 1 2 k Total
Frequência Observada \(O_1\) \(O_2\) \(O_k\) \(n\)

Sendo \(O_i\) o total de indivíduos observados na categoria \(i\), \(i=1,2, \ldots, k\).

Seja \(p_i\) a probabilidade associada à categoria \(i\), \(i=1,2, \ldots, k\).

O objetivo do teste de aderência é testar as hipóteses

\[\begin{aligned} H_0: & p_1=p_{01}, \ldots , p_k= p_{0k} \\ H_a: & \mbox{existe pelo menos uma diferença} \end{aligned} \] sendo \(p_{0i}\) a probabilidade da categoria \(i\) sob o modelo teórico e \(\sum_{i=1}^k p_{0i} =1\)

Teste de Aderência - Procedimento

Se \(E_i\) é o total de indivíduos esperados na categoria \(i\), quando a hipótese nula \(H_0\) é verdadeira, então:

\[E_i = n\times p_{0i}, \quad i=1,2, \ldots, k.\]

Então, expandindo a tabela de freqüências original, temos

Categorias 1 2 k Total
Frequência Observada \(O_1\) \(O_2\) \(O_k\) \(n\)
Frequência Esperada \(E_1\) \(E_2\) \(E_k\) \(n\)

Teste de Aderência - Procedimento

Para quantificar quão distante os frequências observadas estão das frequências esperadas, usamos a seguinte estatística:

Estatística do Teste: \[\chi^2=\sum_{i=1}^k \frac{(O_i-E_i)^2}{E_i} = \sum^{k}_{i=1}\frac{(n_i-np_{0i})^2}{np_{0i}}\]

Se \(H_0\) é verdadeira: \(\chi^2 \sim \chi^2_{k-1}\)

Em outras palavras, se \(H_0\) é verdadeira, a v.a. \(\chi^2\) segue uma distribuição aproximadamente Qui-quadrado com \(k-1\) graus de liberdade.

Condição: Este resultado é válido para \(n\) grande e para frequências esperadas maiores ou iguais a 5.

Teste de Aderência - Procedimento

Calcular o valor-de-p ou encontrar o valor crítico.

Valor-de-p: \(P(\chi^2_{k-1} \geq \chi^2_{obs}),\) em que \(\chi^2_{obs}\) é o valor da estatística do teste calculada a partir dos dados.

Teste de Aderência - Procedimento

Valor Crítico: Para um nível de significância \(\alpha\), encontrar o valor crítico \(\chi^2_{crit}\) na tabela Chi-quadrado tal que \(P(\chi^2_{k-1} \geq \chi^2_{crit}) = \alpha.\)

Conclusão: Rejeitamos \(H_0\) se

\[\mbox{valor-de-p} \leq \alpha \quad \mbox{ou} \quad \chi_{obs}^2 \geq \chi^2_{crit}\]

Tabela da Distribuição Chi-Quadrado

Exemplo: Genética

Voltando no exemplo da Genética

Hipóteses: \[\begin{aligned} H_0: & \mbox{o modelo proposto é adequado} \\ H_a: & \mbox{o modelo proposto não é adequado} \end{aligned} \]

Que de forma equivalente, podem ser escritas como: \[\begin{aligned} H_0: & p_1=1/4, p_2=1/2 , p_3= 1/4 \\ H_a: & \mbox{ao menos umas das desigualdades não verifica} \end{aligned} \] sendo \(p_1=P(AA), p_2=P(Aa)\) e \(p_3=P(aa)\).

Exemplo: Genética

A tabela seguinte apresenta os valores observados e esperados (calculados anteriormente).

Genótipo AA Aa aa Total
Frequência Observada 26 45 29 100
Frequência Esperada 25 50 25 100

Estatística do Teste: \[ \begin{aligned} \chi^2_{obs} &= \sum_{i=1}^3 \frac{(O_i-E_i)^2}{E_i} = \frac{(26-25)^2}{25} + \frac{(45-50)^2}{50} + \frac{(29-25)^2}{25} \\ &= 0.04 + 0.5 + 0.64 = 1.18 \end{aligned} \]

Exemplo: Genética

Sob \(H_0\), a estatística \(\chi^2 \sim \chi^2_2\). Veja que os graus de liberdade é o número de categorias menos 1. Então o valor-de-p é dado por:

\[\mbox{valor-de-p} = P(\chi^2_2 \geq \chi^2_{obs}) = P(\chi^2_2 \geq 1.18) = 0.554\]

Para um nível de significância \(\alpha=0.05\), olhando na Tabela Qui-Quadrado, o valor crítico é: \(\chi^2_{crit} = 5.991\)

Conclusão: Para \(\alpha = 0.05\), como valor-de-p\(= 0.554 > 0.05\), não rejeitamos a hipótese \(H_0\), isto é, essa população segue o modelo genético proposto.

Ou como \(\chi^2_{obs}=1.18 < 5.991 = \chi^2_{crit},\) não rejeitamos a hipótese \(H_0\).

Exemplo: Genética

Exemplo: Cores de Geladeira

Voltando aos dados do exemplo das cores da geladeira, cujas componentes têm frequências multinomiais, a hipótese nula especifica que as cinco cores são igualmente populares. Ou seja,
\[\begin{aligned} H_0: & p_1=p_2= \ldots = p_k= 1/5 \\ H_a: & \mbox{existe pelo menos uma diferença} \end{aligned} \]

Componente marrom creme vermelho azul branco total
Frequência Observada 88 65 52 40 55 300

Como as probabilidades das componentes na hipótese nula são todas iguais, as frequências esperadas também serão todas iguais, ou seja, \[E_i = n\times \frac{1}{5} = 300\times \frac{1}{5} = 60, \quad i=1,2,3,4,5.\]

Exemplo: Cores de Geladeira

Componente marrom creme vermelho azul branco total
Frequência Observada 88 65 52 40 55 300
Frequência Esperada 60 60 60 60 60 300
\(\displaystyle \frac{(O-E)^2}{E}\) 13.07 0.42 1.07 6.67 0.42 21.63

Estatística do Teste: \[\begin{aligned} \chi^2=\sum_{i=1}^5 \frac{(O_i-E_i)^2}{E_i} &= 13.07 + 0.42 + 1.07 + 6.67 + 0.42 \\ &= 21.63 \end{aligned} \]

Exemplo: Cores de Geladeira

Olhando na tabela Qui-quadrado com 4 graus de liberdade, para \(\alpha=0.05\), o valor crítico é \(\chi^2_{crit} = \chi^2_{4, 0.05} = 9.488\).

Conclusão: Para \(\alpha = 0.05\), como \(\chi^2_{obs}= 21.63 > 9.488 = \chi^2_{crit},\) rejeitamos a hipótese de que as cinco cores são igualmente populares.

Exemplo: Tipo Sanguíneo

Entre os americanos, 41% tem sangue do tipo A, 9% tem sangue tipo B, 4% tipo AB e 46% tem sangue tipo O.

Em uma amostra aleatória de 200 pacientes americanos com câncer de estômago, 92 pacientes têm sangue do tipo A, 20 do tipo B, 4 do tipo AB e 84 do tipo O.

Tipo A B AB O total
Frequência Observada 92 20 4 84 200

Essas frequências observadas trazem evidência contra a hipótese de que a distribuição do tipo sanguíneo dos pacientes é igual à distribuição dos tipos sanguíneos na população geral americana? Use nível de significância \(\alpha=0.05\).

Exemplo: Tipo Sanguíneo

\[\begin{aligned} H_0: & p_1=0.41, p_2=0.09, p_3=0.04 , p_4=0.46 \\ H_a: & \mbox{existe pelo menos uma diferença} \end{aligned} \]

Tipo A B AB O total
Frequência Observada 92 20 4 84 200
Frequência Esperada 82 18 8 92 200
\(\displaystyle \frac{(O-E)^2}{E}\) 1.22 0.22 2 0.7 4.14

Estatística do Teste: \(\displaystyle \chi^2=\sum_{i=1}^4 \frac{(O_i-E_i)^2}{E_i} = 4.14\)

Exemplo: Tipo Sanguíneo

Conclusão: Como \(\chi^2_{obs} = 4.14 \leq 7.815= \chi^2_{3, 0.05}\), não temos evidência para rejeitar a hipótese nula.

Portanto, concluímos que não há discrepância significativa entre o que foi observado e a distribuição sanguínea da população americana.

Exemplo: Ervilhas de Mendel

Exemplo: Ervilhas de Mendel

Figura: (Esquerda) Cruzamento de ervilhas puramente amarelas e puramente verdes e (Direta) cruzamento de ervilhas híbridas (Direita)

Exemplo: Ervilhas de Mendel

Mendel fez o cruzamento de 8023 ervilhas híbridas e o resultado foram 6022 ervilhas amarelas e 2001 ervilhas verdes. Teoricamente, cada cruzamento deve resultar em ervilha amarela com probabilidade \(3/4\) e verde com probabilidade \(1/4\).

\[\begin{aligned} H_0: & p_1=3/4 \; \mbox{ e } \; p_2=1/4 \\ H_a: & \mbox{existe pelo menos uma diferença} \end{aligned} \]

Tipo Amarela Verde total
Frequência Observada 6022 2001 8023
Frequência Esperada 6017.25 2005.75 8023
\(\displaystyle \frac{(O-E)^2}{E}\) 0.004 0.011 0.015

Exemplo: Ervilhas de Mendel

Estatística do Teste: \(\displaystyle \chi^2=\sum_{i=1}^2 \frac{(O_i-E_i)^2}{E_i} = 0.015\)

Conclusão: Como \(\chi^2_{obs} = 0.015 \leq 3.841= \chi^2_{1, 0.05}\), não temos evidência para rejeitar a hipótese nula. Concluímos que não há discrepância significativa entre o que foi observado e a hipótese nula.

Leituras

Slides produzidos pelos professores:

  • Samara Kiihl

  • Tatiana Benaglia

  • Benilton Carvalho